sábado, 30 de novembro de 2013

Repressão e Criminalização dos Lutadores Populares em Mato Grosso

29613_455903537863291_81454816_nMais uma vez presenciamos a demonstração dessa ditadura disfarçada de democracia no Estado de Mato Grosso; dessa vez, especificamente no município de Várzea Grande. No dia 29 de novembro de 2013, foi realizada uma manifestação contra a máfia do transporte, que toma conta tanto na cidade de Cuiabá como em Várzea Grande; em Várzea Grande, a população há anos sofre com o descaso dos ditos “representantes” do povo, com enormes problemas na saúde/educação/transporte/moradia, vivenciando cotidianamente os transtornos das obras da Copa do Pantanal.
A população várzea-grandense, além de não possuírem transporte público de qualidade, receberam um presente de natal antecipado, no qual foi construído uma divisão dentro do terminal rodoviário André Maggi. Essa divisão foi feita com catracas e grades de ferro, que força (forçava) a população a pagar duas passagens para poderem pegar outro ônibus e deslocarem-se para outros pontos da cidade e regiões vizinhas. Pode parecer algo simplório, porém, a população não possui o direito de efetuar integração, sem esquecer dos estudantes que não possuem passe-livre estudantil.
Cansados de todo esse abuso gerado pela máfia do transporte (AGER/MTU/EMPRESÁRIOS/PREFEITURA), foi realizada uma manifestação, no dia já citado anteriormente, na qual a própria população aderiu ao ato e arrancou catracas e retiraram as grades que impossibilitavam e aplicavam o roubo contra os passageiros. Foi uma enorme demonstração do quanto a população está cansada de todos esses desvios escancarados para as obras da Copa do Mundo. Foram 25 presospresos políticos, é claro, boa parte menores e que já foram soltos; no atual momento (30/11/2013), estamos contando com 12 presos políticos.
Nossa maior preocupação agora é a possibilidade de os 12 serem destinados para o presídio Carumbé, caso não paguemos fiança para liberação dos mesmos. O delegado determinou fiança de 8 salários mínimos por militante, que gera o montante de aproximadamente R$ 65.000,00. Estamos atrás de toda solidariedade possível nesse momento, além do suporte jurídico que já está nos acompanhando, estamos precisando de apoio financeiro de todos os companheiros e companheiras que possam contribuir com qualquer valor para que possamos libertar nossos presos políticos.
Não podemos esquecer que isso não passa de uma prática de terrorismo psicológico, que muito foi exercida nos períodos da Ditadura Militar na América Latina como um todo.
NÃO SE INTIMIDAR, NÃO DESMOBILIZAR. NENHUM LUTADOR SOCIAL SEM SOLIDARIEDADE!PROTESTO NÃO É CRIME E NÃO TÁ MORTO QUEM PELEIA!
Rusga Libertária / Resistência Popular–MT / MST / Coordenação Anarquista Brasileira-CAB/SINTECT – MT / Autonomia e Luta /

Pedido de Solidariedade Financeira!

São 11 os presos políticos que já foram encaminhados para os seguintes presídios: Carumbé (masculino) e Ana Maria do Couto (feminino). Foi determinado fiança de R$5.000,00 por militante preso, que gera o montante de R$ 55.000,00. Estamos atrás de toda solidariedade possível nesse momento, além do suporte jurídico que já está nos acompanhando. Estamos precisando de apoio financeiro de todos os companheiros e companheiras, lutadoras e lutadores que possam contribuir com qualquer valor para que possamos libertar nossos presos políticos.
Yan Rocha: AG 0686 OP 013 C/P 15585-6 (Caixa Econômica Federal)
Jelder Pompeu de Cerqueira: AG 1461-3 C/C 53860-4 (Banco Bradesco)
Edzar Allen de M. Santos: AG 1216-5 C/C 73070-X (Banco do Brasil)

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

FELIPE CORRÊA E RAFAEL V. DA SILVA. “ANARQUISMO, TEORIA E HISTÓRIA”

Felipe Corrêa e Rafael Viana da Silva. “Anarquismo, Teoria e História”

Neste texto, os autores propõem uma rediscussão do anarquismo, a partir da interdepedência entre teoria e história. Iniciando com um balanço sobre os estudos do anarquismo e o contexto atual, eles elaboram uma crítica dos estudos anteriores, fundamentados no senso comum, nas abordagens ideológicas e em problemas teórico-metodológicos significativos. Propondo novos elementos teórico-metodológicos, elaboram sete teses sobre o anarquismo, que colocam em xeque grande parte das conclusões de estudos anteriores. Essas sete teses afirmam o seguinte: 1.) Anarquismo não é sinônimo de individualismo, antiestatismo ou antítese do marxismo; constitui um tipo de socialismo caracterizado por um conjunto preciso de princípios político-ideológicos, que inclui a oposição ao Estado, mas que não se resume a ela; 2.) O anarquismo baseia-se em análises racionais, métodos e teorias que não são idealistas (explicações metafísicas/teológicas). Não afirma, em geral, a prioridade das idéias em relação aos fatos; apresenta distintas posições teóricas a este respeito; 3.) Os debates fundamentais do anarquismo se dão em torno dos seguintes temas: organização, lutas de curto prazo e violência. Os anarquistas não negam completamente a organização e as lutas de curto prazo, que são defendidas pela maioria deles; 4.) O anarquismo não é incoerente, sendo que seus princípios demonstram a existência de uma coerência. As divergências estão nos debates estratégicos, que dão origem às diferentes correntes anarquistas; 5.) O anarquismo não é negação da política, do poder. Os anarquistas defendem uma determinada concepção de política e de poder; entretanto, para essa reflexão, é necessária uma padronização conceitual; 6.) A extensão e o impacto do anarquismo são amplos: de 1868 ao presente nos cinco continentes; 7.) O anarquismo mobilizou classes dominadas como um todo, em especial proletariado urbano (operariado).

* Baixe o artigo completo aqui: Felipe Corrêa e Rafael Viana da Silva – Anarquismo, Teoria e História

Fonte: 
Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA)

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

CAB - Especial protestos no Brasil – análises regionais


Seguem os links com as análises das organizações anarquistas da Coordenação Anarquista Brasileira ou próximas sobre as recentes mobilizações que sacudiram o país.

Notas da Coordenação Anarquista Brasileira

Notas estaduais

Alagoas
Rio Grande do Sul
Paraná
Santa Catarina
Minas Gerais
Rio de Janeiro
São Paulo

Outros textos

CARTA DE BOAS VINDAS AO NARC - NÚCLEO ANARQUISTA RESISTÊNCIA CABANA



O Coletivo Anarquista Ademir Fernando (CAAF) vem através desta nota desejar prosperidade e força a nova organização anarquista especifista brasileira, Núcleo Anarquista Resistência Cabana (NARC). É com grande satisfação que vemos a consolidação deste novo núcleo para somar forças na luta contra o Estado, contra o capital, contra a exploração e a desigualdade social, além de fortalecer a corrente anarquista em busca da ascensão do poder popular e a transformação social para um socialismo libertário. 

O CAAF cumprimenta aos/as companheir@s do NARC pela iniciativa de promover mais uma organizaçãode cunho político com caráter popular, classista e libertário, buscando a construção coletiva deforma autogestionada, autônoma e anti-autoritária. Também parabeniza o núcleo pela valorização de sua história e história do povo através da inspiração nas lutas amazônicas, em principal a Revolução Cabana, e nos agrupamentos de resistência popular, libertários e anarquistas da região a qual pertencem. Nós do CAAF acreditamos ser de grande importância que as organizações anarquistas valorizem e façam parte da história, cultura e cotidiano do local onde se encontram, sendo identificados enquanto povo e tendo como identidade a realidade desse povo, que no nosso caso, é o Recôncavo Baiano. 

Saudamos noss@s nov@s companheir@s e esperamos estreitar os laços entre as duas organizações, para que junt@s caminhemos rumo a uma sociedade sem patrão, sem fronteiras, sem Estado, sem desigualdade e com liberdade para tod@s! 

“A ideia, perseguida, é mais sublime, 
Pois nos rude ataques à opressão, 
A cada herói que morra ou desanime 
Dezenas de outros bravos surgirão.” 
 - José Oiticica 

Chamada para a fundação da NARC na íntegra:

Programação

16:00 – 16:30 – Mística de abertura
16:30 – 17:10 – Fala da Prof.ª Valéria de Marcos (FFLCH/USP): O Anarquismo – Kropotkin e Bakunin
17:10 – 18:00 – sobre o Lema; sobre o histórico do anarquismo; sobre a Construção Anarquista Brasileira; sobre a proposta de criação de uma frente de educação; sobre os princípios e metodologia do anarquismo especifista.
18:00 – 18:30 – Merenda
18:30 – 18:40 – Doc-Vídeo sobre o Anarquismo ontem e hoje
Local: CNBB – Travessa Barão do Triunfo, 3151, bairro do Marcos
Data: 30 de novembro
Horas: a partir das 16:00
Mais informações: Biblioteca Libertária Maxwell Ferreira ou narc@riseup.net
“É com enorme satisfação que a Biblioteca Libertária Maxwell Ferreira convida tod@s para o ato de fundação do mais novo núcleo pro anarquismo organizado, o NÚCLEO ANARQUISTA RESISTÊNCIA CABANA – NARC. Este núcleo é fruto de diversas lutas e resistências populares que ao longo dos anos vem caracterizando, no espaço e no tempo, desde revolução cabana a Amazônia em chamas, o nosso povo como combatível, indignado, ingovernável, insurgente. Nunca foi e nunca será de organizações políticas reformistas e traidoras da classe oprimida trabalhadora ou de lideres políticos, a missão de emancipação popular, “um povo forte não precisa de líderes” disse uma vez Emiliano Zapata. Se “o tirano não é produto de geração espontânea: é o produto da degradação dos povos. Povo degradado, povo tiranizado. O mal, pois, está ai: na massa dos sofridos e dos resignados, no amorfo dos que estão conformados com a sorte” bem definiu Ricardo Flores Magón. Assim, camarad@s, vamos rumo ao projeto de emancipação popular feita exclusivamente pelos populares, o objetivo finalista é o socialismo libertário! Pois, “não se trata, portanto, de chegar à anarquia hoje ou amanhã, ou em dez séculos, mas caminhar rumo à anarquia hoje, amanhã e sempre” Errico Malatesta.
Viva o socialismo libertário!
Viva a Anarquia!!”



quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O embrião de um exército anarquista. A história dos Comitês de Defesa da CNT

Augustín Guillamón escreveu um livro resgatando a história dos Comitês de Defesa da CNT, publicado na Espanha pela editora Aldarull. O título do livro é “Los Comités de Defensa de la CNT em Barcelona (1933-1938)”Alasbarricadas.org entrevista Augustín Guillamón.
Augustín Guillamón escreveu um livro resgatando a história dos Comitês de Defesa da CNT, publicado na Espanha pela editora Aldarull. O título do livro é “Los Comités de Defensa de la CNT em Barcelona (1933-1938)”.
A clareza com a qual se expõem os acontecimentos nos auxilia a ter uma perspectiva apropriada das decisões que estiveram em pauta naqueles anos.
19-xulioApesar de serem frequentemente ignorados ou evitados pelas memórias e pela historiografia atual sobre a guerra civil e a revolução espanhola, tiveram um papel chave para a vitória do proletariado organizado (que se comemora em 19 de Julho), assim como para a formação das milícias e dos comitês de bairro de Barcelona. Acreditamos ser importante a iniciativa de se estudar como se organizaram no passado, nestas questões estratégicas, com vistas a tomarmos lições para o futuro.
É surpreendente a lucidez daquelas pessoas que organizaram um exército clandestino durante anos, decididos a fazer a Revolução assim que houvesse um entendimento nos organismos superiores de sua organização. Nesta entrevista se mesclam fragmentos do livro em questão com outras considerações do autor.
Alasbarricadas [ALB]: Pergunta obrigatória: O que era um Comitê de Defesa?
Augustín Guillamón [AG]: Os comitês de defesa eram a organização militar clandestina da CNT, financiada pelos sindicatos e sua ação estava subordinada a estes.
Em outubro de 1934 se abandonou a velha tática dos grupos de ação, em favor de uma séria e metódica preparação revolucionária. Afirmava o CNCD: “Não há revolução sem preparação. Há que acabar com o prejuízo das improvisações. Esse equívoco, de se confiar no instinto criador das massas, nos tem custado caro. Não se procuram, como por geração espontânea, os meios de guerra inevitáveis para combater um Estado que tem experiência, forte armamento e maior capacidade ofensiva e defensiva”.
O grupo de defesa básico deveria ser pouco numeroso para facilitar sua clandestinidade e agilidade, assim como um conhecimento profundo do caráter, conhecimentos e habilidades de cada militante. Deveria estar formado por seis militantes, com funções muito específicas:
1) Secretaria: contato com outros quadros, criação de novos grupos, informes.
2) Investigação pessoal: determinar a periculosidade dos inimigos.
3) Investigação de edifícios: desenvolver planos e elaborar estatísticas.
4) Estudo dos pontos estratégicos e táticos da luta de rua.
5) Análise dos serviços públicos.
6) Investigar onde obter armas, dinheiro e demais abastecimentos.
Considerava-se que este número de seis militantes era a cifra ideal para construir um quadro de defesa, sem deixar de considerar que, em algum caso, era possível somar algum outro membro a mais para cobrir tarefas de “grande relevo”. A clandestinidade deveria ser absoluta. Eram os núcleos de um exército revolucionário, capazes de mobilizar grupos secundários mais numerosos, e estes, por sua vez, a todo o povo.
O grupo de defesa era a célula básica dessa estrutura militar clandestina da CNT, constituída por seis militantes. Seu âmbito era uma demarcação muito precisa dentro de cada bairro. Em cada bairro se constituía um Comitê de Defesa local, que coordenava todos esses quadros de defesa, e que recebia um informe mensal de cada um dos secretários do grupo. O secretário-delegado de bairro realizava um informe que era entregue ao Comitê de Distrito; e este, por sua vez, era encaminhado ao Comitê Local de Defesa “e este ao Regional e ao Nacional, sucessivamente”.
O Comunicado do CNCD também esmiuçava a organização dos comitês de defesa em escala regional e nacional, enquadrando por sua vez aqueles setores de trabalhadores, como ferroviários, condutores de ônibus [autocarros], trabalhadores da telefonia e telégrafos, carteiros dentre outros que, pelas características de sua profissão ou organização, abarcavam um âmbito nacional, destacando a importância das comunicações em uma insurreição revolucionária. Uma seção especial foi dedicada ao trabalho de infiltração, propaganda e captação de simpatizantes nos quartéis.
As funções essenciais dos comitês de defesa eram duas:portada_comites
1) Obtenção, mantimento, custódia e aprendizagem do manuseio das armas.
2) Intendência no sentido mais amplo da palavra, desde provisão de mantimentos à população e sustentação de refeitórios populares até a criação e mantimento de hospitais, escolas, ateneus… inclusive, nos primeiros dias de recrutamento de milicianos, o abastecimento das colunas que partiram para a frente de batalha.
Os quadros de defesa já atuavam pouco tempo depois de proclamada a República e podiam ser considerados como a continuidade, reorganização e extensão dos grupos de ação e autodefesa armada dos anos do pistoleirismo (1917-1923).
ALB: Como se deu a evolução dos grupos de ação para os quadros de defesa?
AG: Em janeiro de 1935 os grupos anarquistas Indomables, Nervio, Nosotros, Tierra Libre e Germen, durante o Plenário da Federação de Grupos Anarquistas de Barcelona, apresentaram a fundação, em Barcelona, do Comitê Local de Preparação Revolucionária.
Frente a um panorama histórico realmente desolador; marcado pelo auge do fascismo na Itália, do nazismo na Alemanha, do estalinismo na União Soviética, da depressão econômica com um desemprego massivo e permanente nos Estados Unidos e na Europa; a apresentação feita nesse plenário opunha a esperança do proletariado revolucionário. Afirmava: “Em meio a quebra universal das idéias, partidos, sistemas, só resta em pé o proletariado revolucionário com seu programa de reorganização das bases de trabalho, da realidade econômica e social e da solidariedade.”
Fazia-se uma profunda crítica à pueril tática, já abandonada em outubro de 1934, da ginástica revolucionária e da improvisação: Afirmavam: “A Revolução Social não pode ser interpretada como um golpe de audácia, ao estilo dos golpes de Estado do jacobinismo, mas sim como a consequência e o resultado do desenlace de uma guerra civil inevitável e de duração impossível de se prever.”
A preparação revolucionária para uma longa guerra civil exigia novos desafios que não estavam previstos na velha tática dos grupos de choque. Afirmava: “Levando em conta que não é possível disponibilizar de antemão estoques de armas necessários para uma luta sustentável, é preciso que o Comitê de preparação estude o modo de transformar em determinadas zonas estratégicas as indústrias […], em indústrias provedoras de material de combate para a revolução”. Nesta afirmação está a origem da comissão de indústrias de guerra, constituída em 7 de agosto de 1936, que na Catalunha produziu do zero uma potente indústria bélica graças ao esforço dos trabalhadores, coordenados pelos cenetistas Eugenio Valleja Isla, metalúrgico, Manuel Martí Pallarés, do sindicato de Químicas, e Mariano Martín Izquierdo; mais tarde esta grande experiência foi instrumentalizada pelos políticos burgueses (Josep Tarradellas), que ainda que tenham contribuído, seu êxito “pertence integralmente aos trabalhadores das fábricas, aos técnicos, aos delegados responsáveis que a CNT inseriu desde o início da guerra nos cargos de direção”.
Dos grupos de ação e de choque para a prática da ginástica revolucionária, anteriores ao ano de 1934, havia-se passado para a formação de quadros de informação e combate, considerados como células básicas de um exército revolucionário.
ALB: Uma pergunta muito frequente é se os anarquistas tinham a possibilidade de tomar o poder?
AG: Durante o primeiro semestre de 1936 o grupo Nosotros travou uma luta política com o restante dos grupos da FAI, na Catalunha, em intensos debates sobre duas concepções fundamentais, em um momento em que se conheciam com certeza os preparativos militares para um violento golpe de Estado. Essas duas concepções eram a “tomada do poder” e o “exército revolucionário”. O pragmatismo do grupo Nosotros, muito mais preocupado com as técnicas insurrecionais do que com os tabus, chocava-se frontalmente com as resistências ideológicas de outros grupos faístas, ou seja, com o rechaço ao que denominavam “ditadura anarquista” e um profundo antimilitarismo, que confiava tudo à espontaneidade criativa dos trabalhadores.
Este duro ataque às práticas “anarco-bolcheviques” do grupo Nosotros se expressou amplamente na revista Más Lejos, dirigida por Eusebio C. Carbó, e onde figuravam redatores como Jaime Balius e Mariano Viñuales. Logo depois foram publicadas as respostas a uma enquete que havia problematizado em sua primeira edição, de abril de 1936, que consistia em duas perguntas sobre a aceitação ou rechaço do abstencionismo eleitoral, e uma terceira sobre a tomada do poder, que dizia assim: Podem os anarquistas, em virtude de tais ou quais circunstâncias, e VENCENDO TODOS OS ESCRÚPULOS, disponibilizar-se à tomada do Poder, independente de sua forma, como meio para se acelerar o ritmo de sua marcha à realização da Anarquia?”
Quase todos responderam negativamente. Mas nenhuma resposta oferecia uma alternativa prática a essa negação generalizada à tomada do poder. Teoria e prática anarquistas pareciam divorciadas, às vésperas do golpe de Estado militar.
14a1-milicianocntNa Plenária de Grupos Anarquistas de Barcelona, reunida em junho de 1936, García Oliver expôs que a organização dos quadros de defesa, coordenados em comitês de defesa de bairro, na cidade de Barcelona, era o modelo a ser seguido, estendendo-os a toda Espanha, e coordenando essa estrutura em nível regional e nacional, para se construir um exército revolucionário do proletariado. Esse exército deveria se complementar com a criação de unidades guerrilheiras de cem homens. Muitos militantes se opunham às concepções de García Oliver, confiando mais na espontaneidade dos trabalhadores do que na disciplinada organização revolucionária. As convicções antimilitaristas de muitos grupos de afinidade produziram um rechaço quase unanime às teses do grupo Nosotros, e especialmente de García Oliver.
ALB: Como se transformaram esses Comitês de Defesa em Milícias Populares e comitês revolucionários de bairro?
AG: Em dezessete de julho o exército havia se sublevado em Melilla. No dia seguinte a rebelião militar havia se estendido a todo Marrocos, Canarias e Sevilla.
A guarnição militar de Barcelona contava com algo próximo de seis mil homens, frente aos quase dois mil da guarda de assalto e aos duzentos da “mossos d´esquadra” [1]. A guarda civil, a qual ninguém fazia idéia de que partido iria tomar, contava com uns três mil. A CNT-FAI disponibilizava de cerca de vinte mil militantes, organizados em comitês de bairros, dispostos a empunhar armas. Estava comprometida, na comissão de relações da CNT com a Generalidad e dos militares leais, a frear os golpistas com somente mil militantes armados.
Em 19 e 20 de julho de 1936, em plena luta nas ruas de Barcelona, enquanto se derrotava os militares sublevados, os membros dos comitês de defesa começaram a se chamar e serem conhecidos como “os milicianos”. Sem transição alguma, os quadros de defesa se transformaram em Milícias Populares. A estrutura primária dos quadros de defesa havia previsto sua ampliação e crescimento, mediante a incorporação de quadros secundários. Assim que eram capacitados, os milhares de trabalhadores voluntários, que se somaram à luta contra o fascismo, seguiam rumo às terras de Aragão. As milícias confederais se converteram na vanguarda de todas as unidades armadas, que seguiam por todos os cantos em busca do inimigo fascista para abatê-lo. Eram a organização armada do proletariado revolucionário. Seu exemplo foi seguido pelas demais colunas, inclusive as de conotação burguesa/liberal. Ante a ausência de um exército proletário único, os distintos partidos e organizações criaram suas próprias milícias de partido ou sindicato, sem um mando centralizado e com uma coordenação muito precária.
Houve uma dupla TRANSFORMAÇÃO destes quadros de defesa. As Milícias Populares, que definiram nos primeiros dias a frente de Aragão, instaurando a coletivização das terras nos povoados aragoneses liberados; e a dos comitês revolucionários que, em cada bairro de Barcelona, e em cada povoado da Catalunha, impuseram uma “nova ordem revolucionária”. Sua origem comum nos quadros de defesa fez com que as milícias confederais e comitês revolucionários estivessem sempre muito unidos e inter-relacionados.
Estes comitês revolucionários exerceram, em cada bairro ou localidade, sobretudo nas nove semanas posteriores ao 19 de Julho, as seguintes funções:
1. Tomaram edifícios para instalar a sede do comitê, de um armazém de abastecimentos, de um ateneu ou de uma escola racionalista. Ocuparam e sustentaram hospitais e jornais.
2. Registros nos domicílios privados para requerer armas, alimentos, dinheiro ou objetos de valor.
3. Inspeção armada em qualquer edifício suspeito, com o objetivo de deter “tiras”, franco-atiradores, padres, direitistas e quinta-colunistas. (Recordemos que a ação dos franco-atiradores, na cidade de Barcelona, durou uma semana inteira).
4. Instalaram em cada bairro centros de recrutamento para as Milícias, que armaram, financiaram, abasteceram e pagaram (até meados de setembro) com seus próprios meios, mantendo até depois de maio de 1937 uma intensa e contínua relação de cada bairro com os seus milicianos na frente, acolhendo-os durante suas folgas.
5. À custódia das armas, na sede do comitê de defesa, se somava em um local o armazém, no qual se instalava o comitê de abastecimento do bairro, que se abastecia com a requisição de alimentos, realizados nas zonas rurais, mediante a coação armada, e intercâmbio, ou a compra mediante vales.
6. Imposição e arrecadação do imposto revolucionário em cada bairro ou localidade.
Os comitês revolucionários exerciam uma importante tarefa administrativa, muito variada, que ia desde a emissão de vales, bônus de comida, emissão de salvo-condutos, passes, celebração de casamentos, abastecimento e mantimento de hospitais, até a tomada de alimentos, móveis e edifícios, financiamento de escolas racionalistas e ateneus gestionados pelas Juventudes Libertarias, pagamentos a milicianos, aos seus familiares, etc.
A coordenação dos comitês revolucionários de bairros era feita na sede do Comitê Regional, onde circulavam os secretários de cada um dos comitês de defesa de bairros. Por sua vez, também havia o Comitê de Defesa Confederal, instalado na Casa CNT-FAI.
Para os aspectos relacionados com a arrecadação de importantes quantidades de dinheiro e objetos de valor, ou todas as demais tarefas de detenção, informação e investigação, que excediam por sua importância nas tarefas do comitê revolucionário de bairro, participava o Serviço de Investigação da CNT-FAI, dirigido por Escorza na Casa CNT-FAI.
ALB: Houve um vazio de poder? Os Comitês de bairros que se formaram eram provenientes dos Comitês de Defesa? E os de abastecimento?
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AG: O autêntico poder de execução e resolução estava nas ruas, era o poder do povo em armas, e era exercido nos comitês locais, de defesa e de controle operário, expropriando espontaneamente fábricas, oficinas, edifícios, propriedades; organizando, armando e transportando para a frente de batalha os grupos de milicianos vonluntários que previamente haviam recrutado; queimando igrejas ou convertendo-as em escolas ou armazéns; formando patrulhas para estender a guerra social; dando guarda às barricadas, neste momento verdadeiras fronteiras de classe, que controlavam o desenvolvimento e manifestavam o poder dos comitês; colocando em funcionamento as fábricas, sem patrões nem capatazes, ou reconvertendo-as para a produção bélica; requisitando carros e caminhões, ou alimentos para o comitê de abastecimento; justiçando burgueses, fascistas e padres; substituindo as ineficazes câmaras municipais republicanas, impondo em cada localidade sua absoluta autoridade em todos os domínios, sem atender às ordens da Generalidad, nem do Comitê Central de Milícias Antifascistas (CCMA). A situação revolucionária se caracterizava por uma atomização do poder.
Na noite do dia 19 não havia outro poder real que não fosse o da “federação de barricadas”, o qual tinha como principal objetivo a derrota dos golpistas. O exército e a polícia, dissolvidos ou aquartelados, desapareceram das ruas depois do 20 de julho. Haviam sido substituídos por Milícias Populares formadas por operários armados, que confraternizavam com soldados licenciados e guardas desuniformizados em um único bloco vitorioso, que lhes haviam convertido na vanguarda da insurreição revolucionária.
Em Barcelona os comitês de defesa, transformados em comitês revolucionários de bairro, na ausência de consignas de qualquer organização e sem outra organização além das iniciativas revolucionárias que cada momento demandava, organizaram os hospitais, requisitaram carros, caminhões, armamento, fábricas e edifícios, registraram domicílios privados, detiveram suspeitos e criaram uma rede de Comitês de abastecimento em cada bairro, que se coordenavam no Comitê Central de Abastecimento da cidade, no qual adquiriu notável presença o Sindicato da Alimentação. O contágio revolucionário afetava a todos os setores sociais e a todas as organizações, que se lançavam sinceramente a favor da nova situação revolucionária. Essa era a única força real do CCMA, que aparecia frente ao povo em armas como organismo antifascista que devia dirigir a guerra e impor a nova ordem revolucionária.
Em 21 de julho, uma Plenária de Regionais e Localidades havia renunciado a tomada do poder, entendida como uma forma de ditadura dos líderes anarquistas, e não como imposição, coordenação e extensão do poder que os comitês revolucionários já exerciam nas ruas. No dia 23 uma plenária conjunta, e secreta, dos comitês superiores da CNT e da FAI se unificou em torno da decisão de se colaborar com o CCMA e de preparar a Plenária do dia 26 para vencer a resistência da militância.
No dia 24 haviam partido as duas primeiras colunas anarquistas, sob o comando de Durruti e Ortiz. Durruti fez um discurso pelo rádio no qual alertava a necessidade da militância se manter vigilante frente a uma possível intentona contra-revolucionária. Era preciso consolidar a situação revolucionária em Barcelona, para “aprofundar o processo” depois de tomar Zaragoza.
Em 25 de julho Companys se apresentou na Escola Náutica para recriminar os membros do CCMA e sua ineficiência no controle da ordem pública frente a indiferença de García Oliver que o despediu hostilmente.
Em 26 de julho foi ratificada, pela manhã, na Plenária Regional, a colaboração definitiva da CNT-FAI no CCMA, acordada pelos comitês superiores da CNT-FAI em seu debate do dia 23 e na anterior Plenária Regional reunida no dia 21.
A Plenária do dia 26 confirmou, por unanimidade, que a CNT seguiria sustentando a mesma posição, aprovada em 21 de julho, de participar deste novo organismo de colaboração de classes denominado CCMA. Essa mesma plenária do dia 26 criou uma Comissão de Abastecimento, dependente do CCMA, a qual deveriam submeter-se os distintos comitês de abastecimento surgidos em toda parte, e ordenava ao mesmo tempo uma trégua parcial da greve geral. O resumo dos principais acordos alcançados nessa Plenária foram editados para sua ampla difusão e acatamento.
O CC de Abastecimento era uma instituição fundamental que garantia um requisito indispensável para alguns operários voluntários que abandonavam seus postos de trabalho para combater o fascismo em Aragão: assegurar, mediante sua ausência, a alimentação de seus familiares que deixariam de receber seus respectivos pagamentos semanais com os quais viviam.
ALB: Quem foram as Patrulhas de Controle?
AG: Em 11 de agosto de 1936 se formaram as patrulhas de controle, como polícia revolucionária dependente do Comitê Central de Milícias Antifascistas (CCMA).
Só aproximadamente a metade dos patrulheiros tinha a caderneta da CNT ou era da FAI; a outra metade estava filiada às demais organizações componentes do CCMA: POUM, Esquerda Republicana Catalã (ERC) e o PSUC, fundamentalmente. Só quatro delegados de seção, dentre os onze existentes, eram da CNT: os de Pueblo Nuevo, Sants, San Andrés (Armonía) e Clot; outros quatros eram da ERC, três do PSUC e nenhum do POUM.
As Patrulhas de Controle dependiam do Comitê de Investigação do CCMA, dirigido por Aurelio Fernández (FAI) e Salvador González (PSUC), que substituiu Vidiella. Sua seção Central encontrava-se no número 617 da Gran Vía, dirigida pelos dois delegados de Patrulhas, ou seja, José Asens (FAI) e Tomás Fábregas (Acció Catalana). A remuneração dos patrulheiros, de dez pesetas diárias, era paga pelo governo da Generalidad. Ainda que em todas as seções se promovessem detenções, e alguns detidos fossem interrogados na antiga Casa Cambó, a prisão central ficava no antigo convento de freiras clarisas de San Elías.
ALB: Qual foi o balanço do Comitê Central de Milícias Antifascitas?
AG: Em 26 de setembro se formou um governo da Generalidad com a presença de conselheiros anarquistas. Em 1 de outubro se oficializou a dissolução do CCMA.
images1O decreto de 9 de outubro, complementado com o publicado no dia 12, declarava dissolvidos todos os comitês locais que haviam surgido em 19 de julho, que seriam substituídos pelas novas câmaras municipais. Em que pese a resistência de muitos comitês locais à sua dissolução, e o atraso de vários meses na constituição das novas câmaras, tratava-se de um golpe fatal do qual não se recuperariam. A resistência da militância cenetista, que se desentendia das consignas dos comitês superiores ou das ordens do governo da Generalidad, ameaçava o pacto antifascista. Os dirigentes anarco-sindicalistas estavam submetidos a uma dupla pressão: por um lado a militância que resistia a suas ordens e por outro a acusação por parte das demais forças antifascistas de que era necessário cumprir a risca os decretos do governo, enquadrando os “incontrolados”.
Esse era o real balanço deixado pelo CCMA em suas nove semanas de existência: de alguns comitês locais revolucionários, que exerciam todo o poder nas ruas e fábricas, à sua dissolução em benefício exclusivo do pleno restabelecimento do poder na Generalidad. Da mesma forma, os decretos assinados em 24 de outubro sobre a militarização das Milícias a partir de 1 de Novembro e a promulgação do decreto de Coletivizações completavam o desastroso balanço do CCMA, ou seja, a transformação de Milícias operárias de voluntários revolucionários em um exército burguês clássico, submetido ao código da justiça militar monárquico, dirigido pela Generalidad; a transformação das expropriações e o controle operário das fábricas em uma economia centralizada, controlada e dirigida pela Generalidad.
A demora na execução dos decretos, provocada pela silenciosa mas contundente resistência da militância confederal, que permanecia armada, fez com que o governo da Generalidad pautasse como objetivo prioritário o desarmamento da retaguarda, impulsionando uma campanha de propaganda contra os chamados “incontrolados”, que derivou no objetivo secundário, que se expressava no slogan: “armas para a frente”.
A forte resistência da base anarco-sindicalista à militarização das milícias, ao controle da economia e das empresas coletivizadas pela Generalidad, ao desarmamento da retaguarda e a dissolução dos comitês locais, se manifestou em um atraso de vários meses no cumprimento real dos decretos de governo da Generalidad sobre todos estes temas. Resistência que, na primavera de 1937, cristalizou-se em um grande mal-estar, ao que se somou o descontentamento pelos desdobramentos da guerra, a inflação e a penúria de produtos de primeira necessidade, para desembocar então em uma crítica generalizada da militância de base cenetista à participação nos comitês superiores da CNT-FAI no governo, e a política antifascista e colaboracionista de seus dirigentes, os quais eram acusados pela perda das “conquistas revolucionárias do 19 de julho”.
Em outubro de 1936 o decreto de militarização das Milícias Populares produziu um grande descontentamento entre os milicianos anarquistas da Coluna Durruti, na Frente de Aragão. Após longas e intensas discussões, em março de 1937, centenas de milicianos voluntários, estabelecidos no setor de Gelsa, decidiram abandonar a frente e retornar à retaguarda. Foi acordado que os rumos dos milicianos opostos à militarização se estabeleceria no transcurso de 15 dias. Abandonaram a frente, levando suas armas.
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Já em Barcelona, junto a outros anarquistas (defensores da continuidade e aprofundamento da revolução de julho e opostos aocolaboracionismo confederal com o governo), os milicianos de Gelsa decidiram constituir uma organização anarquista, distinta da FAI, da CNT ou das Juventudes Libertárias, que tivesse como missão encaminhar o movimento ácrata à via revolucionária. Dessa forma, uma nova Agrupação se constituiu formalmente em março de 1937, após um longo período de gestação de vários meses, iniciado em outubro de 1936. A Junta diretiva foi quem decidiu nomeá-la de “Agrupação dos Amigos de Durruti”, nome que por uma parte aludia à origem comum dos ex-milicianos da Coluna Durruti, e que como bem dizia Balius, não tomou por referência alguma o pensamento de Durruti, mas sim sua mitificação popular.
Esta oposição revolucionária à militarização das Milícias Populares se manifestou também, com maior ou menor respaldo, em todas as colunas confederais, destacando-se o caso da Coluna de Ferro, que decidiu em diversas ocasiões “rumar à Valência” para impulsionar a revolução e enfrentar-se com os elementos contra-revolucionários da retaguarda.
Em fevereiro de 1937 foi celebrada uma assembléia de colunas confederais que tratou a questão militar. As ameaças de não fornecimento de armas, alimentos, nem soldados, às colunas que não aceitaram a militarização, somada ao convencimento de que os milicianos seriam interrogados em outras unidades, já militarizadas, sofreram efeito. A muitos parecia melhor aceitar a militarização e adaptá-la flexivelmente à própria coluna. Finalmente, a ideologia de unidade antifascista e a colaboração da CNT-FAI nas tarefas governamentais, em defesa do Estado republicano, triunfaram contra a resistência à militarização, que foi finalmente aceita até pela recalcitrante Coluna de Ferro.
ALB: Houve conflitos entre os comitês de defesa e os comitês superiores?
AG: Em finais de novembro e início de dezembro de 1936, a CNT debateu o papel que deveriam assumir os comitês de defesa em Barcelona. Com uma visão estritamente sindical, que não via com bons olhos a importância adquirida, nos bairros, pelos comitês de defesa e os comitês de abastecimento. Consideravam que suas funções, superada a insurreição revolucionária e sua etapa posterior, de caráter excepcional, eram provisórias e, em todo caso, deveriam ser assumidas, já, pelos sindicatos.
Entre novembro e dezembro de 1936, os comitês de defesa eram um estorvo para a política governista dos comitês superiores cenetistas; se impunha, portanto, sua hibernação e submissão aos sindicatos, como meros anexos armados, um tanto incômodos e inúteis.
O que se discutia era o grau de autonomia dos comitês de defesa dos bairros em relação aos sindicatos. As propostas iam desde o reconhecimento de uma personalidade própria de Comitês de Defesa Local e sua total independência, reconhecendo-os como A MILÍCIA DA CNT, até a plena e absoluta submissão aos ditames da Federação Local de Sindicatos, que não só deveriam discutir as situações e decidir as ações, mas além disso deveriam fazer a custódia das armas, controlar os homens e financiar os Comitês de Defesa.
O problema fundamental, segundo o Comitê Regional, era a desobediência generalizada às consignas de desarmamento: “temos os bairros como nossos piores inimigos”.
Em outubro de 1936, a entrada da CNT no governo da Generalidad resultou na criação de uma Junta de Segurança Interior, caracterizada por um conflituosa dualidade de mando das forças da ordem púbica, entre CNT e governo da Generalidad. As Patrulhas de Controle foram perdendo autonomia e capacidade de decisão, enquanto a Comissão de Ordem Pública, controlada pelo PSUC e ERC, ia incrementando seu poder coercitivo, revitalizando os corpos de Guardas de assalto e a Guarda Nacional Republicana (antiga Guarda civil). Em finais de janeiro de 1937 os milicianos do PSUC-UGT abandonaram as Patrulhas de Controle, sendo substituídos por integrantes da CNT, ERC e POUM. A perspectiva de desaparição das Patrulhas de Controle, absorvidas no seio de um novo Corpo único de Segurança, decretado em 4 de março de 1937, supunha a perda da hegemonia dos cenetistas nos trabalhos policiais e repressivos na retaguarda.
Com o frágil equilíbrio político e armado existente na primavera de 1936 na retaguarda barcelonesa, o incremento e ameaça das forças repressivas burguesas, que tendiam ao monopólio da violência, revitalizou a reorganização e preparação dos comitês de defesa nos bairros para um enfrentamento que parecia já inevitável.
ALB: Por que se perdeu o controle dos abastecimentos? O que foi “a guerra do pão”?
AG: Em 20 de dezembro de 1936, Joan Comorera (PSUC), conselheiro de Abastecimento, pronunciou um importante discurso, em catalão, na sala do Gran Price de Barcelona.
Comorera argumentou sobre a necessidade de um governo forte, de plenos poderes, capaz de fazer com que os decretos não se tornassem “palavra morta”, como havia sucedido com o primeiro governo Tarradellas, no qual participou Nin pelo POUM. Um governo forte, capaz de levar a cabo uma política militar eficiente, que agrupasse todas as forças existentes na frente de batalha.
sant-pereComorera atribuía a carência e o aumento no preço de alimentos à existência dos comitês de defesa, não ao açambarcamento e especulação dos varejistas. Era o discurso que justificava e explicava o slogan das faixas e panfletos das manifestações de mulheres ao final de 1936 e começo de 1937: “mais pão e menos comitês”, promovidas e manipuladas pelo PSUC. Era evidente o enfrentamento entre duas políticas de Abastecimento opostas: a do PSUC e a do Sindicato da Alimentação da CNT. O Sindicato da Alimentação, através dos treze armazéns de abastecimento dos bairros, custodiados pelos comitês revolucionários de bairro (ou, melhor dizendo, por suas seções de defesa), distribuía gratuitamente alimentos aos refeitórios populares, onde, entre outros, frequentavam os desempregados e seus familiares, e, inclusive, sustentavam centros de atenção aos refugiados que, em abril de 1937, em Barcelona, aumentaram para 220.000 pessoas. Era uma rede de abastecimento que rivalizava com os varejistas, que somente obedeciam a lei da oferta e procura, e que buscava, sobretudo, evitar o aumento no preço dos produtos, já que o aumento de preços os tornava inviáveis aos trabalhadores, e, lógico, aos desempregados e refugiados. O mercado negro era o grande negócio dos varejistas, que atingiam excelentes lucros graças à fome (literalmente) da maioria. A guerra do pão de Comorera contra os comitês de abastecimento dos bairros não tinha outro objetivo que o de arrebatar dos comitês de defesa qualquer parcela de poder, ainda que essa guerra implicasse no desabastecimento de Barcelona e a penúria alimentícia.
Comorera finalizou seu discurso com um chamado à responsabilidade de todas as organizações, em prol de forjar uma férrea unidade antifascista. Para compreender o discurso de Comorera é necessário levar em conta a estratégia defendida por Gerö, de efetuar uma política SELETIVA frente ao movimento anarquista, que consistia em integrar os dirigentes ao aparato de Estado, ao mesmo tempo que se praticava uma bestial repressão aos setores revolucionários, qualificados injuriosamente como incontrolados, gangsters, assassinos, agentes provocadores e irresponsáveis, que Comorera identificava muito claramente nos comitês de defesa.
Os armazéns de abastecimento dos comitês de bairro controlavam o que, como, quanto e a que preço de venda ao público se provia aos varejistas, uma vez satisfeitas as necessidades “revolucionárias” do bairro, isto é, de doentes, crianças, desempregados refeitórios populares, etc. Comorera defendia o desaparecimento destes comitês revolucionários de bairro e o livre mercado. Sabia, além do mais, que uma coisa implicava outra, e que, sem a supressão dos comitês de defesa, o livre mercado seria uma quimera.
Um abastecimento racional, capaz de prover o suficiente à Barcelona e à Catalunha, exigia ceder às pretenções do Conselheiro de Economia cenetista, Joan P. Fábregas, que de outubro a dezembro de 1936 travou uma luta inglória, nas reuniões do Conselho da Generalidad, para conseguir o monopólio do comércio exterior, ante a oposição das demais forças políticas. Enquanto isso, no mercado de cereais de Paris, dez ou doze comerciantes catalães competiam entre si, encarecendo os produtos. Mas esse monopólio do comércio exterior, que sequer era uma medida de caráter revolucionário, mas apenas apropriada à uma situação bélica de emergência, atentava contra a filosofia do livre mercado, propugnada por Comorera.
Havia uma ligação entre as filas para se adquirir pão em Barcelona com a irracional concorrência no mercado atacadista de grãos em Paris. Essa conexão Barcelona-Paris teria sido quebrada com o monopólio do comércio exterior. Com a política de livre mercado de Comorera, essa conexão foi consolidada. Além disso, o PSUC encorajou a especulação por parte dos comerciantes, que implantaram uma autêntica ditadura sobre o preço de todos os alimentos, enriquecendo-se com a fome dos trabalhadores.
ALB: Como e por que esses Comitês de Defesa voltaram a se reorganizar?
AG: No domingo, 11 de abril, durante o comício na praça de los toros, La Monumental, foram avistados cartazes que exigiam a liberdade de Maroto e dos inúmeros presos antifascistas, em sua grande maioria cenetistas. Federica Montseny foi vaiada. Os gritos favoráveis à liberdade dos presos se intensificaram, uma e outra vez. Os comitês superiores culparam a Agrupação Amigos de Durruti pela “sabotagem”. Federica, muito incomodada, ameaçou de não tornar a falar em um comício em Barcelona.
O grupo 12, de Gracia, apresentou por escrito:
“Na segunda-feira, 12 de abril de 1937, aconteceu, na Casa CNT-FAI, uma seção da plenária local de Grupos Anarquistas de Barcelona, com participação dos grupos de Defesa confederal e das Juventudes Libertárias.
A Plenária, levando em consideração, após uma longa discussão, os resultados de nove meses de política ministerial, constatando a impossibilidade de ganhar a luta armada nas frentes contra o fascismo sem subordinar todos os interesses particulares, econômicos, políticos e sociais ao supremo objetivo da guerra; considerando que somente com a socialização total da indústria, do comércio e da agricultura, é possível derrotar o fascismo; considerando que toda forma de governo é, por essência, reacionária e, todavia, contrária à toda revolução social; delibera:
1º.- Retirar todos os homens que atualmente ocupam postos nos níveis antifascistas de governo.
2º.- Construir um Comitê revolucionário antifascista para coordenar a luta armada contra o fascismo.
3º.- Socializar imediatamente a indústria, o comércio e a agricultura.
4º.- Implantar a licença do produtor. Colocar em prática a mobilização geral de todos os homens capacitados para o manejo das armas e das ferramentas de trabalho para a frente de batalha e a retaguarda.
5º.- E, por fim, evidenciar a todos e a cada um o peso inflexível da disciplina revolucionária, como garantia de que os interesses da revolução social não podem ser tratados em vão”.
Esta reunião havia fugido do controle da burocracia, tendo a intervenção dos Comitês de Defesa de Barcelona, ou o que é o mesmo, da delegação dos comitês revolucionários de bairros, e também das Juventudes Libertárias, radicalizando, sem sombras de dúvidas, os acordos estabelecidos.
A FAI de Barcelona, junto às seções de defesa dos comitês revolucionários de bairro e as Juventudes Libertárias, em que pese o escândalo e a histérica oposição de alguns burocratas, havia decidido encerrar o colaboracionismo, retirar os conselheiros (ministros) anarquistas do governo da Generalidad e constituir um Comitê revolucionário que dirigisse a guerra contra o fascismo. Era um passo decisivo para a insurreição revolucionária, que irrompeu em 3 de maio.
Na Plenária constava, por outra parte, uma brecha ideológica, não tanto entre a CNT e a FAI, mas sim entre revolucionários e colaboracionistas, que apontava para uma cisão organizativa do movimento libertário, em Barcelona, que se manifestava na crescente oposição e na abissal diferença de objetivos entre as seções de defesa dos comitês de bairro e as Juventudes Libertárias, de um lado, e os comitês superiores, do outro.
Essa radicalização era fruto de uma situação cada vez mais insustentável nas ruas. Em 14 de abril, uma manifestação de mulheres, que desta vez não estava manipulada pelo PSUC, partiu de La Torrasa para recorrer aos distintos mercados de Collblanc, Sants e Hostafrancs, protestando contra o preço do pão e dos produtos alimentícios. Dirigiram-se ao Comitê Revolucionário da praça de Espanha para que interviessem no problema, mas o Comitê lhe afirmou que o assunto não era de sua incumbência. As manifestações e protestos se estenderam a quase todos os mercados da cidade. Nos dias posteriores ocorreram, com menor virulência, tumultos e manifestações em diversos mercados. Algumas tendas e padarias foram assaltadas. A fome nos bairros operários de Barcelona havia tomado as ruas para manifestar a sua indignação e exigir soluções.
ALB: Que papel exerceram os Comitês de Defesa em maio de 1937?
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AG: Na segunda-feira, 3 de maio de 1937, por volta das 2h45, três caminhões de guardas de assalto, fortemente armados, foramdetidos na sede da Telefônica na praça da Catalunha. Eram dirigidos por Eusebio Rodrigues Salas, militante da UGT e estalinista convicto, responsável oficial da delegacia de ordem pública. O edifício da Telefônica estava tomado pela CNT desde 19 de julho. A supervisão das comunicações telefônicas, a vigilância das fronteiras e as patrulhas de controle eram o campo de batalha que desde janeiro havia provocado diversos incidentes entre o governo republicano, a Generalidad e a massa confederal. Era uma luta inevitável entre o aparato estatal republicano, que reclamava o domínio absoluto sobre todas as competências que lhe eram “próprias”, e a defesa das “conquistas” do 19 de julho por parte dos cenetistas. Rodriguez Salas pretendeu tomar posse do edifício da Telefônica. Os militantes cenetistas dos pisos inferiores, pegos de surpresa, foram desarmados; mas nos pisos superiores se organizou uma dura resistência, graças a uma metralhadora instalada estrategicamente. A notícia se espalhou rapidamente. Imediatamente se levantaram barricadas em toda a cidade. Não se deve falar de reação espontânea da classe operária barcelonesa, porque a greve geral, os enfrentamentos armados com as forças de polícia e as barricadas foram fruto da iniciativa tomada pelos comitês de defesa, rapidamente copiada graças à existência de um enorme descontentamento generalizado, as crescentes dificuldades econômicas na vida cotidiana causadas pela carestia de vida, as filas e o racionamento, assim como a tensão existente na base militante confederal entre colaboracionistas e revolucionários. A luta nas ruas foi impulsionada e realizada a partir dos comitês de defesa dos bairros (e só parcial e secundariamente por algum setor das patrulhas de controle). Embora não existisse uma ordem dos comitês superiores da CNT, que exerciam o posto de ministros em Valência e Barcelona, ou de qualquer outra organização, para mobilizar-se, levantando barricadas por toda a cidade, não significava que estas fossem puramente espontâneas, mas sim que foram o resultado das consignas lançadas pelos comitês de defesa.
Fosse qual fosse a importância do papel desempenhado por alguns dirigentes antes de maio, todos eles foram rapidamente superados e ultrapassados. Os comitês de bairro desencadearam e protagonizaram a insurreição de 3 a 7 de maio em Barcelona. Não cabe confundir os comitês de defesa dos bairros com uma ambígua e imprecisa “espontaneidade das massas”, propugnada pela historiografia oficial.
Assim descrevera Nin, secretário político do POUM, em 19 de maio de 1937: “As jornadas de maio em Barcelona fizeram reviver certos organismos que, durante estes últimos meses, haviam jogado um certo papel na capital catalã e em algumas localidades importantes: os Comitês de Defesa. Tratam-se de organismos principalmente de tipo técnico-militar, formados pelos sindicatos da CNT. São estes, em realidade, que estiveram dirigindo a luta, e que constituíam, em cada bairro, o centro de atração e organização dos operários revolucionários”.
Os Amigos de Durruti não iniciaram a insurreição, mas foram os combatentes mais ativos nas barricadas. Distribuíram um panfleto onde exigiam a substituição do Governo da Generalidad por uma Junta Revolucionária.
Os trabalhadores confederados, desorientados pelo chamado de seus dirigentes – os mesmos do 19 de julho! – haviam optado, por fim, abandonar a luta, ainda que a princípio houvessem burlado os chamados da direção da CNT à harmonia e ao abandono da luta em prol da unidade antifascista.
ALB: Como se dissolveram os Comitês de Defesa?
AG: A força militar dos comitês de defesa na cidade de Barcelona havia permanecido intacta, ainda que os Atos de Maio tenham sido uma terrível derrota política dos revolucionários, que iria se materializar a partir de 16 de junho de 1937 com a detenção do Comitê executivo do POUM e a ilegalização deste partido.
A partir deste momento também se desencadeou uma repressão seletiva contra a CNT, iniciando-se uma ofensiva judicial em várias frentes:
1.- contra os comitês revolucionários locais criados durante as jornadas de 19 e 20 de julho;
2.- contra aqueles que haviam participado na rebelião de maio de 1937;
3.- contra delitos de opinião, leitura de imprensa clandestina, derrotismo ou portar armas sem permissão;
4.- contra alguns destacados líderes cenetistas, como Aurelio Fernández, Barriobero, Eroles, Devesa, etc.
Mas, a fins de maio de 1937, os comitês de defesa ainda eram bastante fortes para organizar várias campanhas armadas, dependentes dos comitês de defesa de bairros.
Os comitês revolucionários de bairro, em Barcelona, surgiram entre 19 e 20 de julho e duraram, no mínimo, até 7 de junho, quando as restauradas forças da ordem pública da Generalidad dissolveram e ocuparam os distintos centros de Patrulhas de Controle, e, em seguida, algumas sedes dos comitês de defesa, como no bairro de Les Costs. Em que pese o decreto que exigia a desaparição de todos os grupos armados, a maioria resistiu até setembro de 1937, quando foram sistematicamente dissolvidos e assaltados, um a um, os edifícios que ocupavam. A última a ser ocupada, a mais forte e importante, foi a sede do comitê de defesa do Centro, localizada nos Escolapios de San Antonio, que foi tomada de assalto em 21 de setembro de 1937 por forças da ordem pública, que utilizaram todo um arsenal de metralhadoras, tanques e granadas. Por outro lado, a resistência de Los Escolapios não cedeu ao fogo das armas, mas sim às ordens de desocupação, dadas pelo Comitê Regional.
A partir de então os comitês de defesa se ocultaram sob o nome de Seções de coordenação e informação da CNT, dedicados exclusivamente a tarefas clandestinas de investigação informativas, como antes de 19 de julho; mas agora (1938) em uma situação nitidamente contra-revolucionária.
Todavia, ainda foram bastante fortes e combativos o suficiente para publicar um informativo clandestino, intitulado Alerta…!, que editaram sete números entre outubro e dezembro de 1937. O número 1 saiu em 23 de outubro de 1937. As pautas recorrentes deste periódico eram a solidariedade com os “presos revolucionários”, exigindo sua libertação e denunciando a ocorrência de abusos no Cárcere Modelo; a crítica do colaboracionismo e da politização da FAI; a denúncia da desastrosa política de guerra do governo Negrín-Prieto e do predomínio estalinista no exército e no Estado. Enviou saudações de confraternização às Juventudes Libertárias e a Agrupação Amigos de Durruti. Uma característica indelével da publicação foram suas constantes chamadas à “fazer a revolução” e o abandono de todos os cargos por parte dos comitês superiores: “A Revolução não pode ser feita A PARTIR DO ESTADO, mas sim CONTRA O ESTADO”. No último número, fechado em 4 de dezembro de 1937, denunciou as checas estalinistas e a brutal perseguição dos cenetistas na Cerdaña.
Em 1938 os revolucionários já estavam mortos, no cárcere, ou na mais absoluta clandestinidade. Não foi a ditadura de Franco, mas sim a República de Negrín quem sepultou a Revolução.
Nota:
[1] “(…) é a corporação policial autonôma, de estatuto civil, fundada em 1719 e a mais antiga da Europa, responsável pela segurança pública e prestação do serviço de polícia na Região Autônoma da Catalunha, Espanha.” Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADcia_da_Catalunha. (N.T.)
Tradução: Daniel Augusto de Almeida Alves

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Vídeo Malatesta – Teoria, ideologia e estratégia anarquista

Neste vídeo, o pesquisador e militante Felipe Corrêa apresenta os principais elementos teóricos e ideológicos da obra do militante anarquista Errico Malatesta, além de contextualizar o ambiente político de sua produção e apresentar brevemente sua trajetória biográfica. O vídeo traz uma síntese das questões centrais do pensamento do anarquista italiano e a estratégia de transformação social defendida por este. Referência obrigatória para quem quer se aprofundar nos aportes malatestianos.



O vídeo foi produzido pela Tiê-Sangue produções, sendo gravado na Biblioteca Social Fábio Luz em julho de 2013.

domingo, 28 de julho de 2013



Ocupantes da Câmara Municipal de Salvador posam para foto após palestra sobre mobilidade urbana. Não adianta tentarem, não vamos romper a força. ATÉ O FIM!!!

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Deixemos todas as bandeiras vermelhas levantadas... Mas as bandeiras rubro-negras exigem respeito!

1º de julho de 2013 Rafael Viana da Silva*,
Bruno Lima Rocha**, Felipe Corrêa***

Ao confundir os conceitos de protagonismo popular
com antipartidarismo, mídia comercial
e partidos eleitorais marxistas geraram
enorme confusão na opinião pública brasileira.
Nos final dos anos 40, numa conjuntura que, guardadas às proporções, traz similitudes com nosso atual momento, o anarquista Pedro Catalo reclamava nas páginas do periódico Ação Direta que, na Praça do Patriarca em São Paulo, onde o povo ia às ruas debater a situação política do país, “quando os oradores que sobem são anarquistas, a gritaria toma proporções atordoantes”. Segundo Catalo, “organizaram uma brigada de desordeiros, encarregados de gritar, assobiar, insultar e apostrofar todos os quantos em sua arengas, não observem os ditames absurdos da linha justa Prestiana.” (CATALLO, Pedro. Infâmia Bolchevista. Ação Direta, Rio de Janeiro, 30/11/1946, nº 26, p. 01) Catalo expunha, assim, uma atitude que pode ser considerada como contrária à democracia direta defendida pelos anarquistas nos espaços públicos. A claque era o supra-sumo do stalinismo brasileiro, encabeçado por um partido cujos líderes eram, em sua maioria, ex-militares tenentistas.

Vale situar o leitor no período. Luiz Carlos Prestes saiu da cadeia para dirigir o Movimento Queremista, indo a comícios varguistas, mesmo após o Estado Novo ter entregado sua companheira, Olga Benário, aos nazistas. Esse tipo de cálculo político frio – embasado na real politik leninista – sempre acaba por fortalecer o pior do dirigismo político nas esquerdas. A saber, a massa a vaiar os oradores anarquistas era base do Partido Comunista do Brasil (ainda PCB), em seu curto período de legalidade, quando Prestes, de preso político torna-se senador da república na Constituinte de 1946. Depois, a seção brasileira do Partido de Moscou cai na ilegalidade e, por um brevíssimo período, flerta com a linha revolucionária (tese de ’50), para depois arrepender-se de tudo. Qualquer semelhança com os arrependidos ex-comunistas, hoje no PT e à frente da república, não é nenhuma coincidência.

De volta ao nosso contexto, apesar das diferenças cronológicas e ideológicas, o protesto de Pedro Catalo se coaduna em algumas linhas com o incômodo manifestado no texto intitulado “Não deixem abaixar as bandeiras vermelhas” do professor Valério Arcary, que expôs sua opinião acerca do crescente antipartidarismo que tomou conta de algumas manifestações no Brasil. Não vamos repetir as sínteses conjunturais para evitar cansar o leitor, mas cabe dizer que, na crescente onda de mobilizações, os movimentos sociais conseguiram uma vitória ao diminuir, por meio da luta e da ação direta, os preços das passagens em diversas cidades do país. O que no início alimentou esperanças quase virou decepção, com os alarmes de golpe e a infiltração da direita e da extrema direita nos protestos, na tentativa de capturar as pautas dos manifestantes, canalizando as demonstrações de força popular para ideologias reacionárias e ufanistas. Nesse cenário, a mídia corporativa estimulou a divisão entre manifestantes e “baderneiros”, tentando consolidar também a criação de bodes expiatórios, no intuito claro ou mascarado, de associar estritamente a revolta popular a determinadas ideologias políticas, numa manobra clara de criminalizar grande parte dos que lutavam. O auge desta medida foi a invasão da Polícia Civil à sede da Federação Anarquista Gaúcha (FAG).

Escrevemos esse texto alguns dias depois do artigo do prof. Arcary. Portanto, estamos com a “vantagem” dos desdobramentos dos fatos e nosso intuito é realizar um diálogo. Também o fazemos alguns dias após o texto de Zé Maria, em que o dirigente do PSTU pede desculpas formais a duas organizações anarquistas, FARJ e UNIPA, o que compreendemos generalizar as desculpas pelas práticas equivocadas anteriores. Ainda que a justa retratação do dirigente nacional do PSTU contribua, como contribui qualquer autocrítica franca, com nosso respeito, ela não pode esconder nossas diferenças políticas. Mantemos a crítica, mas reforçamos a necessidade tanto do debate sadio entre as esquerdas, assim como a unidade necessária para reforçar o poder popular a partir da avançada de Junho de 2013. Obrigamo-nos a dizer isso, pois as primeiras informações que circulavam no interior do campo ampliado da esquerda, em específico no trotskismo, eram a de que os anarquistas, esses “incorrigíveis” culpados da história, promoviam ativamente o antipartidarismo.

Essa era a informação divulgada amplamente pelo setor de Juventude do PSTU que, num texto catalisador dessa opinião, Henrique Canary dizia que o liberalismo burguês era “a verdadeira filosofia do anarquismo”, comparando o neoliberalismo de Margaret Tatcher ao anarquismo. Este artigo, sofrível do ponto de vista teórico e histórico, e que pode vir a merecer uma resposta adequada num momento breve, reafirmava e insuflava de maneira sectária os militantes do PSTU e de outros partidos de esquerda a difundir a informação de que os anarquistas “cumpriam um papel verdadeiramente vergonhoso” e “tentam proibir, inclusive por meio da força física, que os militantes dos partidos políticos exerçam uma liberdade elementar.”

Sabemos que, nas fileiras do PSTU, assim como das dezenas de agrupações trotskistas, existem militantes devotados a causa da classe e do povo. Mas, também por isso, nos vemos obrigados a afirmar – de forma dura,  mas fraterna – que essa opinião é completamente equivocada, mesmo que venha sendo reproduzida em outras análises (a)históricas do PSTU e (infelizmente) por outros setores marxistas, que enfatizam o inevitável “papel reacionário dos anarquistas” (PSTU, Lutemos juntos contra os governos). Isso, em geral, é feito reproduzindo a teoria cíclica da “crise de direção”, “apolíticismo” e “não-Estado” como sinônimos de capitulacionismo ou outras generalizações absurdas. No campo oposto do trotskismo, esta opinião (apartidarismo do movimento popular sinônimo de antipartidarismo e apoliticismo) coincide curiosamente com a análise do governador petista Tarso Genro que, em sua sanha repressiva contra a FAG, associava o anarquismo a grupos de extrema-direita. Aliás, também é curioso e triste, como o intuito caluniador do ex-dirigente do Partido Revolucionário Comunista (PRC), o atual governador Tarso Genro, infelizmente encontrou certo eco nos artigos escritos por filiados do PSTU. Companheiros, se, de fato, a intenção é a unidade da esquerda classista combativa, definitivamente esses procedimentos são o pior caminho.

Na crítica da crítica (a)histórica e absurda teoricamente, soa ainda mais curioso quando se sabe que o extinto PRC era um racha de linha stalinista do PC do B e que por uma década operara como força política na interna do PT dos anos ’80. Neste mesmo período, o PRC era o grande inimigo da então Convergência Socialista (CS), sigla anterior da ala majoritária que compôs a Frente Revolucionária e, depois, o PSTU, na década de ’90. Tarso e Canary coincidem em classificações de fraqueza teórica e (a)históricas, sendo que o irmão de Adelmo Genro (para vergonha da ala sadia do marxismo brasileiro), abusa dos neologismos, classificando, nos  microfones da mídia comercial, os militantes da FAG de “anarco-direitistas”. Tal absurdo, dito pelo governador - mas ampliado por Canary, pela via da aproximação nossa ao neoliberalismo!, se fosse dito numa instância política seria alvo de piadas. Como vivemos uma era de desinformação e calúnias, torna-se mais um “meme” de fala inócua e irresponsável, para não dizer politicamente criminosa, ao criminalizar uma organização política com 18 anos de existência e vida pública.

Voltando ao texto original, que é, em grande medida, alvo desta crítica, parece que o professor Arcary – por opinião própria ou pela desvantagem dos dias de informação – reiterou alguns dados incorretos em seu artigo. Seria completamente injusto dizer que o prof. Arcary reproduziu ipsis litteris os preconceitos de Canary ou do governador Tarso Genro. Em seu artigo suaviza em alguma medida a generalização e a pobreza teórica do artigo “Anarquismo e socialismo: o individual e o coletivo nas manifestações” do site do PSTU, talvez pelo fato de Arcary ser historiador por ofício e ter acessos a dados mais elementares da história do movimento operário que Canary, seja por incapacidade ou por preconceitos ideológicos. negou (entre eles), o combate histórico e permanente dos anarquistas ao fascismo e ao liberalismo.

O núcleo duro da crítica do PSTU foi então “minimizado” por Arcary, pois já não eram todos os anarquistas, mas “alguns pequenos núcleos de inspiração anarquistas” que insistem “na divisão do movimento querendo impor pela força dos gritos sua ideologia”. Perguntamos sinceramente se participamos dos mesmos atos, pois os gritos de “sem partido” e as agressões, pelo menos no Rio de Janeiro e na imensa maioria dos casos de São Paulo, vieram de pessoas com bandeiras do Brasil. Não cremos ser necessário dizer, que este não é um símbolo anarquista.

Apesar dos indícios elementares de abertura para o diálogo contidos no texto do prof. Arcary, com os quais temos concordância, por ser este o primeiro passo para quebrar os estereótipos políticos, é necessário elucidar para verdade dos fatos todas as informações veiculadas. Primeiramente, concordamos com a opinião da Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), integrante da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB), que diz repudiar “as agressões aos militantes de esquerda, partidos políticos e movimentos populares” e quaisquer atitudes “fascistóides” venham ela de onde vierem. Subscrevemos também a nota do Movimento Passe Livre de São Paulo, que diz ser “um movimento apartidário, não antipartidário” e repudia “os atos de violência direcionados a essas organizações durante a manifestação de hoje, da mesma maneira que repudiamos a violência policial”. O MPL muito oportunamente afirma que “desde os primeiros protestos, essas organizações tomaram parte na mobilização. Oportunismo é tentar excluí-las da luta que construímos juntos". Mas não podemos aceitar que informações inverídicas sejam tomadas como “letra da lei”. Parece que até mesmo o PSTU, costumeiramente virulento em seus ataques aos anarquistas, teve de finalmente reconhecer o oposto em seu site. Cabe dizer que tal reconhecimento veio depois de um intenso trabalho dos anarquistas para refutar tais inverdades. Os companheiros devem revisar suas táticas para o bem da unidade na luta. Pois, na democracia operária do trotskismo – ao menos do morenismo - somos culpados até provar o contrário. Tivemos de “provar” o óbvio, que os inimigos não eram os libertários, mas neonazistas e infiltrados da polícia que “investem contra ativistas”.

Infelizmente, os militantes deste partido – ou ao menos, suas lideranças públicas – tiveram práticas de tipo expurgo público. Por isso, a verdade factual pode virar um elemento secundário quando formulam suas análises, pois elas carregam em seu bojo preconceitos teóricos e históricos instituídos. Há também dois discursos, convenientes de acordo com o contexto. Se o professor Arcary, que por sinal também é integrante do PSTU, faz a divisão entre anarquistas “honestos” e os que supostamente atacavam as bandeiras de seu partido (os desonestos), o boletim estadual do PSTU do Rio de Janeiro distribuído na plenária da Frente de Luta contra o Aumento da Passagem no dia 25/06/13 reafirmou a calúnia, desmentida inclusive em seu próprio site, de que foram os anarquistas os responsáveis junto com os fascistas a atacar suas bandeiras. Se no site foram os fascistas, nas plenárias políticas foram os fascistas, os policiais infiltrados junto com grupos anarquistas! Uma nítida tentativa de neutralizar o setor libertário, seja o identificado claramente em organizações políticas anarquistas ou a juventude que não concorda com suas práticas políticas vanguardistas e que não necessariamente se alinham ao recente “ufanismo” estimulado pela direita. 

Até os jornais da imprensa burguesa noticiavam o que já era óbvio para os militantes anarquistas, que os ataques aos partidos era parte de uma articulação da extrema-direta. Extrema-direita que, se hoje ataca especificamente os partidos de esquerda, já incomoda os libertários desde os anos 80 e 90, excluindo as experiências históricas anteriores, quando os anarquistas efetivamente construíram com outros setores frentes antifascistas em comum.

Temos, diante deste cenário, de ensaiar passos de crítica e autocrítica. Muito do sentimento antipartido foi fomentado por práticas históricas da esquerda tradicional, e nisso, o trotskismo também tem suas responsabilidades. Vejamos o que viemos afirmando em documentos e comunicados anteriores:

“Limites como a prioridade da esquerda institucional em disputar aparatos sindicais e estudantis em detrimento do fortalecimento das bases. Limites de uma prática aparelhista e instrumental com os movimentos sociais, (…) a falta de inserção social de grande parte da esquerda com os desempregados/as, na favela, na juventude pobre e precarizada”. (FARJ, Breve análise sobre os últimos acontecimentos e as mobilizações sociais no Brasil e propostas socialistas libertárias para a luta).

Tudo isso gerou uma repulsa aos partidos políticos que hoje é canalizada em grande medida pela direita. O anarquismo também tem de ser autocrítico, e a corrente especifista, que longe de representar a totalidade do que “se chama por lugar comum de movimento anarquista” (FAG, Lutar contra a Tarifa até que vença a vontade das ruas!), vem fazendo isto com todos os seus limites. O anarquismo, e agora falamos de maneira muito mais ampla, não pode admitir confusões, neste momento crítico, em torno de sua ideologia política; o classismo, a necessidade da organização política, o trabalho de base e a responsabilidade e disciplina coletiva (Dielo Trouda, Plataforma dos Comunistas Libertários) sempre fizeram parte de sua valorosa história, representada por muitos militantes abnegados em diversas partes do país. Vemos com bons olhos e grande simpatia aqueles que hoje têm como referencial, mesmo que difuso, o setor libertário do socialismo (anarquismo). O anarquismo, assim como marxismo, também tem correntes e debates políticos fundamentais, nem sempre conciliáveis. Se há um setor (francamente minoritário em todo este ascenso de massas e na história do anarquismo, diga-se de passagem) que se reivindica anarquista sob balizas individualistas ou antiorganizacionistas, mesmo mantendo o respeito pelas posições teóricas distintas das que defendemos, consideramos totalmente incorreto afirmar que o anarquismo em sua maioria endosse ou se alinhe a esta posição. Todo indivíduo ou organização que reproduz uma caricatura burguesa sobre o anarquismo presta um desserviço à causa. Não os consideramos “inimigos”, nem “fascistas”, mas companheiros que, em muitos casos, desconhecem completamente os fundamentos teóricos e a prática histórica dos anarquistas.

Devemos também ter generosidade e paciência para com aqueles que hoje chegam e se aproximam de nossas fileiras. A luta é pedagógica e formativa para todos nós. E acima de tudo, devemos tratar as outras correntes políticas com respeito e sem estereótipos previamente (de)formados. Façamos o mesmo com o trotskismo e outras correntes do socialismo. Neste sentido, sem rifar nossos princípios, nós anarquistas estaremos, como sempre estivemos, ao lado das bandeiras vermelhas dos trabalhadores, sejam elas de partidos políticos, movimentos sociais ou entidades de classe. Nossas bandeiras só foram abaixadas pela força da reação e do autoritarismo. Esse foi o caso na Rússia e Ucrânia em 1919/21, quando os anarquistas foram esmagados pelo Exército Vermelho sob comando de Trótsky; da Bulgária, de 20 a 40, onde fomos massacrados pelos fascistas e depois pelos stalinistas (inclusive sendo enviados para campos de concentração); na Coréia, onde fomos esmagados pelos comunistas; no Estados Unidos, onde fomos perseguidos pelo Estado Liberal e capitalista norte-americano (com destaque para o caso Sacco e Vanzetti), na ditadura civil-militar Uruguaia e Argentina, que perseguiu, nas décadas de 60 e 70, as bandeiras negras de operários e anarquistas, para não nos prolongar em variados outros exemplos que exigiram mais espaço.

O que exigimos é respeito e, para isso, um debate franco é o melhor caminho que podemos trilhar. Sem ignorar nossos princípios ideológicos e as experiências históricas relevantes, nas quais cerramos fileiras com outras tradições da esquerda ou fomos traídos, o anarquismo tem um papel importante a cumprir no conjunto mais amplo do socialismo. Continuaremos a trabalhar sem sectarismo para autoorganizar a classe trabalhadora e os/as oprimidos/as, mas exigimos que tratem as bandeiras rubro-negras e o anarquismo como parte do que sempre foram, o setor libertário do socialismo.

* Historiador e professor de História.
** Cientista Político e professor de Relações Internacionais.
*** Editor e pesquisador.



Referências

ARCARY, Valério. Não deixem abaixar as bandeiras vermelhas. Disponível em <http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8500:submanchete210613&catid=63:brasil-nas-ruas&Itemid=200>.

CANARY, Henrique. Setor de Juventude do PSTU. Anarquismo e Socialismo: o individual e o coletivo nas mobilizações de massa. Disponível em http://www.pstu.org.br/node/19465.

CATALLO, Pedro. Infâmia Bolchevista. Ação Direta, Rio de Janeiro, 30/11/1946, n0 26, p. 01

DIELO TROUDA, Plataforma dos Comunistas Libertários. Disponível em <http://www.nestormakhno.info/portuguese/platform/org_plat.htm>.

FAG, Lutar contra a tarifa até que vença a vontade das ruas! Disponível em <http://pt.scribd.com/doc/134038977/OPINIAO-Luta-transporte-2>.

FAG, O Enredo de uma farsa! A tentativa de criminalização da Federação Anarquista Gaúcha. Disponível em <http://batalhadavarzea.blogspot.com.br/2013/06/o-enredo-de-uma-farsa-tentativa-de.html>.

FARJ, Breve análise sobre os últimos acontecimentos e as mobilizações sociais no Brasil e propostas socialistas libertárias para a luta. Disponível em <http://anarquismorj.wordpress.com/2013/06/25/breve-analise-sobre-os-ultimos-acontecimentos/>


PSTU, Lutemos Juntos contra os governos. Disponível em <http://www.pstu.org.br/node/19475>