O
contexto da nossa luta
Nesse
primeiro semestre houve diversas mobilizações de norte a sul do Brasil que
enfrentaram a reação conservadora dos governos, do aparelho repressivo e da
mídia. Desde as lutas em defesa do transporte público nas capitais, passando
pelas greves nos canteiros de obras do PAC, até a resistência indígena dos
povos originários, todas essa lutas foram alvos da criminalização do protesto
que segue em curso no país sede da Copa do Mundo. Vivemos um dos momentos mais
agudos da luta de classes no Brasil. O capital internacional avança diariamente
a passos largos, explorando os trabalhadores e as trabalhadoras na busca do
lucro.
Resistência dos/as oprimido/as x
Violência do Opressores
Uma consequência dessa lógica do
capitalismo se expressa no transporte. Somos diariamente violentados. Esperamos
em intermináveis filas, viajamos horas em transportes superlotados e sem
manutenção, correndo risco de vida. Sofremos com o a violência da ganância, do
descaso, da roubalheira, das máfias das empresas de transporte público,
ajudadas pelos governantes a lucrarem cada vez mais. Mas quando o povo vai para
as ruas reclamar contra esta injustiça o que acontece? É violentado! Tropas de
choque, gás lacrimogêneo, spray de pimenta, bombas, balas de borracha à queima
roupa que podem cegar ou até matar. Todo um aparato de guerra é usado contra o
povo, e dezenas de manifestantes são presos e feridos pela polícia.Tanto a
truculência da polícia e o descaso do poder público para o social, quanto o
desrespeito que os empresários do transporte público nos fazem passar
diariamente,todas estas são formas de violência contra o povo. E todas
as formas que o povo usa para se defender contra esta violência são legítimas.
Toda forma de resistência, ainda que com táticas distintas é legítima. A
violência em todos os atos SEMPRE começou com a polícia, a fiel defensora das
elites e da burguesia. Polícia, que curiosamente foi apoiada em sua última
greve por legendas políticas de esquerda que hoje caluniam o anarquismo para “encontrar”
um bode expiatório que divida a nossa luta.
Lutar não é crime
O povo, organizado nos movimentos
sociais, manifestando-se por justiça, não pode ser criminalizado, agredido ou
preso. Devemos ter cuidado com a estratégia dos poderes dominantes de
criminalizarem “individualmente” militantes e ativistas que lutam contra o
aumento da passagem. Muitos já estão com processos nas costas por
lutarem. Lutar não é crime! Não podemos deixar que nossos companheiros/as sejam
criminalizados/as! Essa criminalização deve ser denunciada! Essa é a verdadeira
face da democracia burguesa, escondida de dois em dois anos nas urnas e
propagandas eleitorais mas que mostra suas garras quando surge a resistência! Não
podemos reforçar dentro das nossas fileiras o discurso de criminalização
daqueles que lutam tentando encontrar bodes expiatórios no nosso movimento.
Todos/as aqueles/as que saem às ruas para se opor a máfia dos transportes são
ilegais por natureza, pois enfrentam a burguesia e o Estado de “direito/a”.
Nossa
concepção de anarquismo
Nós anarquistas organizados
politicamente na Coordenação Anarquista Brasileira (CAB) participamos
modestamente de diversas mobilizações e cerramos fileiras com trabalhadores e
militantes em diversos estados do país. A CAB é uma instância que reuniu
diversas Organizações Anarquistas Especifistas de todo o Brasil para articular
a luta e construir no futuro uma Organização Anarquista em nível Nacional. É
constituída por 9 Organizações de diferentes Estados, de base Federalista que constrói
– a partir de práticas concretas – unidade estratégica e maior organicidade
para intensificar a inserção social no seio de nosso povo. Nesse sentido, são
mais de 10 anos de resgate do Anarquismo enquanto corrente libertária do
Socialismo, organizada politicamente e inserida socialmente. A CAB é formada
por uma diversidade de sujeitos sociais que acreditam na já antiga mas
atualíssima máxima que diz que a “emancipação dos trabalhadores será obra dos
próprios trabalhadores”, porém aliada também a histórica prática da organização
do anarquismo enquanto partido, como foi a Aliança da Democracia Socialista de
parte da Ala Federalista e Anti-autoritária da 1ª Internacional (Bakunin,
Guillaume, Malatesta, Cafiero e outros) e também da nossa irmã Federação Anarquista
Uruguaia, que se manteve atuante durante a ditadura militar uruguaia
enfrentando esta com inserção popular/estudantil e com um aparato armado.
No entanto, nossa rica história que
se confunde com a história da classe trabalhadora é muitas vezes atacada,
desmerecida ou deturpada: muitas vezes trata-se do simples desconhecimento ou a
reprodução de discursos simplificadores e reducionistas, porém, muitas vezes se
trata da má fé, do preconceito e da necessidade de construção política na base
da calúnia, auto-promoção e mentiras. Não nos surpreendemos quando estes
ataques partem da mídia corporativa/burguesa, que tenta sempre criminalizar e
estereotipar aqueles que lutam. Mas quando vem das fileiras de nós
trabalhadores, devemos nos posicionar de maneira firme para combater o
sectarismo que sempre divide a luta popular. Recentemente, o último
texto que tivemos contato e que faz referência aos “anarquistas” nestes moldes
é uma nota lançada pelo setor de juventude do PSTU em meio a luta contra o
aumento das passagens. Assim, nos posicionamos nacionalmente não para entrarmos
na briga de quem é mais revolucionário ou possui a verdadeira interpretação do
período em que vivemos, mas sim porque julgamos necessário combater as calúnias
e evitar a confusão em nossas fileiras.
Nossa implicação enquanto CAB se dá
por um conjunto de motivos que normalmente são veiculados em materiais como o
que nos referimos acima: generalização e estereotipação do anarquismo; acusação
de que somos uma seita esquerdista e que não teríamos nenhuma responsabilidade;
de que somos anti-partidários; de que seriamos sectários e intransigentes, que
fazemos alianças somente com quem pensa da mesma forma que nós; que atacamos
toda e qualquer entidade sindical, estudantil e popular como sendo burocrática
e desnecessária à luta e o pior, dizer que nós anarquistas classistas e
revolucionários somos apenas liberais/pequeno-burgueses que defendem a luta
“individual” como estratégia de luta.
Nós da CAB fazemos parte de uma
tradição político-organizativa (anarquismo “especifista”) que nasceu no seio
dos trabalhadores. Tem esse nome porque retoma princípios básicos do anarquismo
e reafirma a necessidade de nos organizarmos politicamente enquanto militantes
anarquistas e socialmente nos movimentos populares. Essa necessidade política
se expressa por meio de uma Organização Política Anarquista, Federalista e de
Quadros, com critérios de ingresso, formação militante, dotada de um Programa
Mínimo, Estratégia de Curto e Longo Prazo e Objetivo Finalista. Não apostamos
portanto, na luta “individual” e desorganizada como estratégia de vitória mas
sim no acúmulo de força social nos movimentos populares. Dessa
forma, não somos espontaneístas, achando que a organização popular virá por ela
mesma. Ao contrário do que alguns dizem, seguimos contribuindo com o
fortalecimento dessa organização, com esforços modestos mas firmes, no
movimento popular, sindical, estudantil e camponês em diversos estados deste
país.
Cabe também sublinhar que não temos a
pretensão de como organização política anarquista e classista “representar” a
totalidade dos anarquistas fora da nossa coordenação, assim como não exigimos a
determinados partidos marxistas que respondam pela totalidade dos marxistas.
Somos parte de uma organização política anarquista classista que trabalha com
princípios em comum, critérios de ingresso, estratégia militante e unidade
teórica/ideológica. Neste sentido, rejeitamos a associação preconceituosa de
qualquer um que vincule de modo quase que automático o anarquismo a
desorganização, sendo que não há nenhum elemento histórico que embase esta
afirmação. Respeitamos, ainda que com diferenças, as distintas formas de
associação, sejam elas partidárias, independentes ou de outras bandeiras
políticas que venham se somar a luta. Mas rejeitamos quaisquer tentativas de
dividir o movimento internamente. O sectarismo venha de onde vier é danoso e
divide a classe.
Mesmo com as diferenças de prática
política e ideológicas, acreditamos que o respeito mútuo entre os setores da
esquerda é algo que fortalece a luta. Devemos saber o momento de fechar o punho
contra o capital. Por isso exigimos o respeito pelas contribuições históricas
do anarquismo, enquanto corrente libertária do socialismo, na luta junto ao
movimentos dos trabalhadores, como no campo do sindicalismo revolucionário e
camponês, e atualmente com nossa modesta e consequente atuação e contribuição
em diferentes campos de luta social (agrária, sindical, estudantil,
comunitária).
A unidade da luta
Consideramos que a unidade na luta e
a organização pela base são os principais caminhos para derrotar a máfia dos
transportes, construído com a unidade de diversos setores da esquerda numa
bandeira em comum: a derrota da máfia dos transportes e a luta contra o
reajuste pela força das ruas. Tendo isso em vista, nós da CAB integramos,
construímos e respeitamos todos os espaços de deliberação coletiva que
organizaram as lutas contra o aumento da passagem em diversos estados. Ao
contrário da calúnia circulada pelo PSTU sobre o anarquismo não somos
espontaneístas e tampouco desrespeitamos a disciplina coletiva.
Cabe ressaltar que a luta não pode
ser capturada por um partido, domesticada por uma legenda, por que a luta é uma
tarefa da classe. A luta também não é “apolítica” e desorganizada. Porque nela
nos formamos, aprendemos com os erros, crescemos e acumulamos força para o dia
seguinte. Defendemos uma unidade construída sem sectarismos e com respeito às
diferentes forças da esquerda. Fazer uma luta apartidária é diferente de fazer
luta anti-partido. Isso significa respeitar as legendas/bandeiras que atuam no
interior da mobilização popular, unindo as diferentes forças políticas por
pautas em comum.
A verdade que incomoda: um movimento
que não foi capturado
O que mais incomoda algumas legendas
políticas é o fato deste movimento social, que saiu as ruas para enfrentar o
governo e os patrões, não ter sido capturado por nenhuma vanguarda
“esclarecida” ou partido político. É propício lembrar que alguns desses
partidos que hoje condenam do alto de sua arrogância as fraquezas desse
movimento popular/estudantil diziam algum tempo atrás informalmente por seus
militantes “que não haviam condições objetivas para se fazer essa luta”. Felizmente
eles foram contrariados e até mesmo, arrastados pela vontade da luta popular
que moveu milhares. Esse movimento, apesar de compartilhar muitos princípios
comuns ao nosso setor libertário e também com táticas de luta da classe
trabalhadora não pode ser claramente identificada a nenhuma ideologia
política apesar de em seu interior conter diferentes ideologias da
esquerda. O movimento também não surgiu de nenhum partido político, apesar de
ter sido construído com esforço de muitos militantes de partidos, o que deve
ser valorizado. Isso não significa que este movimento não tenha
problemas. Mas como diria um histórico companheiro da esquerda é
“melhor dar um passo com mil do que mil passos com um” e vamos seguir
trabalhando para construir e organizar melhor a luta contra o aumento das
passagens junto com outros setores políticos sem a pretensão de nos tornarmos
“os donos do movimento”.
Temos consciência das inúmeras
deficiências e obstáculos que precisamos enfrentar e que enfrentaremos dentro
dessa luta. No entanto, também temos consciência de nossa sinceridade, modéstia
e firmeza naquilo que nos propomos. Nos últimos 10 anos temos participado em
maior ou menor grau de diversas lutas, construções, embates na América Latina e
no Mundo e, independente das divergências com outras tradições do Socialismo
exigimos respeito. Estamos juntos e lado a lado na luta pelo Socialismo e pela
Liberdade e daqui não nos retiraremos. Seguiremos na luta contra o aumento do
transporte em diferentes Estados à despeito da calúnia da mídia burguesa e de
infelizmente, alguns setores políticos.
Derrotar o aumento pela organização
popular coletiva/de base e pela força das ruas!!! Lutar, criar, poder popular!
Coordenação
Anarquista Brasileira (CAB)
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