De onde vem essa história de Plebiscito?
No início da década de 1990, ou seja, após a derrota de Lula nas eleições burguesas de 1989, grandes encontros para arrebanhar adeptos passaram a fazer parte da agenda da esquerda institucionalizada. Um exemplo destes momentos foi a primeira semana social brasileira (1991), organizada por diversos movimentos, sindicatos, partidos de esquerda, pastorais sociais, acadêmicxs e outras organizações. O Grito dos Excluídos e a assembleia popular foram atividades em que a esquerda institucionalizada (PT, PC do B, CUT, Pastorais Sociais, UNE, diversos movimentos e outros grupos minoritários da esquerda) reforçou o processo eleitoral em algumas edições. A via parlamentar (projetos de lei, audiência pública, etc.) foi reforçada nesse processo, pautaram-se pontos programáticos dos partidos reformistas, principalmente do Partido dos Trabalhadores (PT) e de seus aliados. Nesse contexto de fortalecimento de processos “consultivos”, ou melhor, a consulta pela consulta, a “esquerda” burocratizada traz à cena os Plebiscitos.
No final dos anos 1990 (maio de 1999 no Rio de Janeiro), esta mesma esquerda eleitoreira foi se articulando em torno da organização do tribunal da dívida externa. Surgiu, então, a proposta de um Plebiscito Popular. Foi assim que no ano 2000 (1 a 7 de setembro) se organizou o plebiscito da dívida externa, que tinha entre seus objetivos o fortalecimento para as próximas eleições. A questão sobre a dívida externa era e é um questionamento que sempre vem à tona nos debates da esquerda. No período, o processo de discussão em torno da dívida levantou uma acirrada campanha crítica ao governo FHC e, assim, acabou fortalecendo as bases para a campanha eleitoral de Lula em 2002.
Os plebiscitos organizados pela esquerda partidária institucionalizada tem a finalidade de reforçar uma forte base para as campanhas eleitorais. Portanto, essa nefasta consulta acaba sendo um verdadeiro fim em si mesmo. E por falar em plebiscito, você já ouviu algo sobre? Você sabe o que é um plebiscito? Plebiscito é quando a população vai às urnas para aprovar ou não uma determinada questão que já foi elaborada por alguém. O parlamento, formado por defensorxs do capital, Estado e propriedade privada, decide como vai ocorrer o processo. No caso dos plebiscitos “populares” que ocorrem no Brasil, esse alguém são os partidos reformistas da cúpula governista e seus aliados em momentos pontuais.
Na edição de 2007, o lema do plebiscito que defendia a anulação do leilão da Vale do Rio Doce era: Isto não Vale: Queremos participação no destino da nação. O caráter nacionalista, que impulsionou a consulta de 2007, só demonstrou que a consulta pela consulta é o que não vale. Devemos construir laços para além de nossas abstratas fronteiras e enterrar o discurso de nação. A luta dxs trabalhadorxs é Internacional, buscando acumular força social nas lutas cotidianas, rumo à transformação social e não se restringindo a um discurso de cunho nacionalista, reformista e de reestatização, como era o caso da referida edição.
Nós, da Organização Resistência Libertária (ORL), acreditamos na democracia direta como ferramenta política que busca a contribuição de toda a população de forma assembleária, em que os problemas e soluções são colocados pelo povo numa perspectiva horizontal, de diálogo permanente. Dessa forma, não reforçamos a cultura da urna, a dinâmica pragmática da eleição e a simples consulta, pois não acreditamos que a vontade política das pessoas deve se resumir ao simples voto. Queremos participação direta! Queremos construir o verdadeiro poder popular a partir das lutas populares!
E esse Plebiscito Popular que tanto falam?
A campanha pelo Plebiscito Popular deste ano está sendo puxada por diversos movimentos sociais, centrais sindicais colaboracionista (CUT, CTB e CSP-Conlutas), entidades estudantis (UNE e UBES), pastorais sociais e partidos reformistas (PT, PC do B, entre outros). Um dos pontos abordados para o Plebiscito que ocorrerá em setembro é a falácia da “luta” por uma nova constituinte, que terá seu ponto alto entre os dias 1º a 7 de setembro. Todo o processo de preparação e votação serve para esconder o real desejo da esquerda partidária. Uma assembleia de “representantes” do povo, como é falado em uma cartilha da referidaconsulta, é o falso objetivo. O verdadeiro anseio dxs defensorxs do parlamento que estarão impulsionando o Plebiscito é canalizar as forças do conjunto da população para a perpetuação da lógica da representação, além de defender uma ideia falida de manutenção de um Estado mais “democrático”. Cravar um alicerce sólido para a sustentação do Estado e seus mecanismos de dominação também faz parte da vontade dos partidos e movimentos que defendem a proposta do plebiscito para uma nova constituinte e uma assembleia de “representantes” do povo.
Temos certeza que não será um plebiscito que resolverá nossos problemas. Não é uma consulta solicitando uma nova constituinte que servirá para a real luta dxs trabalhadorxs. O objetivo deste plebiscito “popular” em ano de eleição é fortalecer o projeto político petista e de outras minorias parasitárias. O plebiscito é parte integrante da agenda eleitoral das burocracias partidárias para 2014.
O Plebiscito da dívida, ALCA, Vale do Rio Doce, reforma agrária e agora o plebiscito da constituinte são plebiscitos que tem algo em comum? Simplesmente todas essas edições não alteraram em nada nenhuma situação questionada! Tal consulta só demonstrou que somente com luta, pressão popular e trabalho social numa perspectiva combativa pode-se alterar a realidade social. Reais mudanças em nossa sociedade, historicamente, só foram conseguidas através de luta, sangue e suor, e não de uma simples votação consultiva.
Esse plebiscito vai mudar nossas vidas?
Entre os diversos motivos que levaram às ruas xs manifestantes em junho e julho de 2013 estão: a falta de saneamento básico, o sistema de saúde precário, um transporte coletivo de péssima qualidade e uma educação deficitária. Fundamentalmente, dois questionamentos também estiveram na boca do povo: a crítica às representações e às estruturas hierárquicas. As duas questões são baseadas em uma forma verticalizada e estão presentes no sistema político partidário brasileiro. As ruas já demonstraram total condenação a essa sociedade desigual, injusta e vertical em que vivemos. Sendo assim, é insuficiente um plebiscito para resolver tais questões/problemas de nosso cotidiano.
Os problemas de nosso povo são muitos e o plebiscito é alheio às nossas necessidades. Vivemos enlatadxs todos os dias por um sistema de transporte mercadológico que só beneficia os monopólios do setor; convivemos com um desenfreado aumento de projetos hídricos que favorecem a dinâmica perversa do agronegócio; somos expulsxs de nossa terra para a expansão do latifúndio e ficamos em imensas filas nos hospitais sem a mínima estrutura. Esses são alguns dos milhares de problemas que afligem a população. Não vamos mudar essa situação através de um plebiscito! Só com LUTA!
Problematizando outra questão injusta, podemos ver o acúmulo do capital financeiro/bancário dentro do capitalismo selvagem. Os bancos têm balanços financeiros excelentes: os lucros dos quatro maiores bancos do Brasil, no primeiro semestre de 2014, somam juntos R$ 10,5 Bilhões. Por exemplo, o Itaú teve um crescimento de 29% em relação ao primeiro trimestre do ano passado. O governo fecha os olhos para os lucros dos bancos, pois no mercado financeiro seus gestores acabam tirando sua parte, e, nesse jogo selvagem da desigualdade, o aprofundamento da miséria cresce constantemente. As mudanças sociais tão desejadas não virão através de uma simples reforma política, nosso povo já vive governo após governo com míseras reformas.
As classes oprimidas e os combativos movimentos sociais auto-organizados devem discutir suas demandas e se mobilizar para a luta concreta que transforme radicalmente nossa sociedade, fortalecendo mecanismos de democracia direta. A luta cotidiana contra as estruturas de dominação do Estado exige mecanismos de luta que sejam pautados por independência, autonomia e uma perspectiva classista.
Um rápido exercício: Quem escreveu a constituição? Quem são aquelxs que escrevem as leis? Boa pergunta, para entendermos que acabamos não decidindo nada em um processo eleitoral. Quem decide então? Uma minoria de gravata, defensorxs e detentorxs das empresas do agronegócio, das corporações, religiosxs da alta cúpula, especuladorxs de terra, policiais (civil e militar), carcinicultorxs, entre outros. Pois é, são elxs que decidem, inclusive, seus astronômicos salários. Xs trabalhadorxs na suposta gestão do Estado não mudariam o quadro apresentado acima, uma vez que o caminho para uma sociedade igualitária só à luta pode concretizar, o trabalho social continuará e dessa forma, pavimentaremos esse caminho, sem acreditar em ilusões e na falácia das urnas. A FARJ lembra que para Bakunin:
“o Estado não é “neutro”, mas uma forma específica de organização das classes dominantes. Assim, xs trabalhadorxs não podem utilizar o Estado como meio para atingir uma sociedade socialista e libertária, pois isso só transformará um restrito setor dxs trabalhadorxs numa nova classe dominante” (LIBERA-FARJ. Nº161, 2014).
Portanto, não acreditamos que um simples voto ou lei possa mudar a realidade, solucionar determinada questão social e muito menos que uma minoria (burguesa ou proletária) possa gestar o Estado para resolver nossos problemas. Que nós mesmos auto-organizadxs possamos resolver nossos problemas!
Acreditamos que podemos transformar a sociedade com nossas próprias mãos, sem intermédio de um político “profissional” que aparece a cada dois anos. Nossas urgências não cabem nas urnas, precisamos lutar por uma Outra Campanha, trilhando de forma combativa para além de qualquer campanha eleitoral ou consultiva. Há muito tempo tentamos resolver nossos problemas com medidas paliativas e simplificamos as coisas votando. Nossas urgências são imensas, a luta e a organização popular são extremamente necessárias. Xs de baixo construindo sua auto-organização, independente de partido, governo, patrão ou igreja é fundamental no processo de transformação social radical
O diálogo construído nas comunidades de Chiapas pela “La Otra Campaña” impulsionada pelxs Zapatistas no México em junho de 2005, deu o ponta pé para o surgimento de uma experiência popular de construção social a partir dos debates nas diversas comunidades indígenas e camponesas de Chiapas e em outras localidades. Segundo o Subcomandante Marcos:
“Com o lançamento da Outra Campanha, os [as] zapatistas se afastaram totalmente desta esquerda ao tentar levar adiante a política por outros caminhos e atores, desde baixo, em que ela não seja o monopólio de um sistema desvirtuado de representação [...]” (Subcomandante Marcos. Nem o centro e nem a periferia – sobre cores, calendários e geografias. 2008).
Acolhemos a proposta: A Outra Campanha, criada e desenvolvida pelxs zapatistas no sudeste mexicano. Não acreditamos da mesma forma nessa esquerda tradicional que apresenta as mesmas fórmulas e as mesmas promessas a cada dois anos. Não cremos também em modelos acabados e transplantados de um lugar para outro, a experiência dxs indígenas, camponesxs e guerrilheirxs zapatistas é fruto de um processo de diálogo intenso em que o aprender e o ouvir foram e são elementos essenciais para a continuidade dos debates da experiência zapatista, que apresenta suas características próprias, sua conjuntura particular.
Necessitamos construir espaços e relações sociais que não sejam similares às velhas formas apresentadas pela esquerda tradicional e pela farsa eleitoral e consultiva. A Outra Campanha e sua contribuição para a luta social é uma experiência que temos como horizonte, mesmo com suas fendas e contradições que são intrínsecas a qualquer construção coletiva. Construiremos essa outra campanha, que não é a eleitoral, lutando e criando poder popular de acordo com nossos processos culturais e peculiaridades.
Portanto, não acreditamos na farsa eleitoral nem na simples consulta, seja ela plebiscito, refendo ou as eleições para o legislativo e executivo. Cremos na construção d’A Outra Campanha, na organização popular e na força das ruas para acumular força social. Para impulsionar a luta social, a autonomia e a ação direta, nós da ORL, acreditamos naquilo que o Movimento FOME defende em um de seus materiais, ou seja:
“[...] que os movimentos sociais não sejam partidarizados, que não sirvam de correia de transmissão para partidos, organizações ou mesmo grupos e coletivos políticos. Esse tipo de prática que subordina o movimento social aos interesses políticos de uma ou outra agrupação política retira a autonomia do movimento, limita o movimento aos que aderem à politica, ao setor hegemônico, causando um esvaziamento do mesmo” (Fanzine do Movimento Social FOME - Sobral).
Portanto, trabalhamos socialmente ombro a ombro com os movimentos sociais combativos, dialogando incessantemente na construção do poder popular dentro de uma perspectiva classista. Construiremos com esses movimentos nas ruas, na linha de frente e com solidariedade direta. Nem um passo atrás! Avante xs que lutam!!!
PARA ALÉM DAS URNAS E DE QUALQUER FORMA MERAMENTE "CONSULTIVA" PARA O POVO!
RUMO À OUTRA CAMPANHA!
ARRIBA LXS QUE LUCHAN!
LUTAR, CRIAR, PODER POPULAR!
Artigo Original da ORL:
http://www.resistencialibertaria.org/index.php?option=com_content&view=article&id=137%3A2014-08-14-16-53-15&catid=38%3Aeleicoes&Itemid=56